Artistas afiliados a Documenta se expressam contra o caráter de “empresa comercial” da exposição

Os artistas Hans Haacke, Sanja Ivekovic, Walid Raad, Annette Messager, entre outros foram firmes sobre suas objeções a mudanças no principal evento quinquenal de arte do mundo.

Por Claire Voon
16 de dezembro de 2017
Originalmente publicado em hyperallergic.com
Tradução Cau Silva


Hans Haacke, “Wir (alle) sind das Volk—We (all) are the people” (2003/2017), exibido no Museu Nacional de Arte Contemporânea, Atenas, Documenta 14, (© VG Bild-Kunst, Bonn, photo by Mathias Völzke).

Mais de 200 artistas e curadores assinaram uma carta aberta pedindo o remodelamento da supervisão organizacional da Documenta que, segundo eles, reduziu a exposição alemã de arte contemporânea a uma “empresa comercial”. Publicada em GoPetition, a carta aponta cinco medidas para proteger a autonomia artística, curatorial e política da Documenta. Eles partem de uma proposta específica de reorganização do conselho atual para uma ampla chamada de descolonização de todas as instituições de arte e educação.

“O conselho de supervisão… tecnocraticamente reduziu a exposição a uma iniciativa comercial”, diz a carta. “A atual estrutura da Documenta mostrou ser inadequada ao momento político atual, sem entender o seu maior significado e as novas preocupações do público de arte contemporânea ao redor do mundo.”

Entre os que assinam a reivindicação estão Hans Haacke, Sanja Ivekovic, Amar Kanwar, Walid Raad, Annette Messager, Rene Gabri e Ayreen Anastas entre muitos envolvidos em edições passadas da Documenta – a partir da Documenta 5, que aconteceu em 1972. É a terceira carta escrita pelos artistas nos últimos quatro meses. Os artistas da Documenta 14 (2017) também defendem a visão da exposição através das cartas dos dias primeiro de dezembro e 15 de setembro, que chegaram aos noticiários informando o déficit que a 14ª edição deixou aos seus organizadores: €5.44 milhões (previamente comunicado pelo jornal alemão HNA como €7 milhões – aproximadamente 8.3 milhões de dólares) de déficit.

Respondendo às notícias que apareceram na mídia, a carta do mês de setembro colocou severamente que “propagar um falso indício de críticas e escândalos sobre a documenta 14 é um desserviço ao trabalho que o diretor artístico e sua equipe fizeram nesta exposição.”

Leia abaixo a mais recente declaração na íntegra:

Como participantes e visitantes de várias edições da exposição internacional de arte documenta X, 11, 12, (13) e 14, estamos profundamente preocupados com o conflito público entre o conselho de supervisores da documenta gGmbH e aqueles que construíram e participaram da documenta 14. O andamento deste conflito põe em risco a futura autonomia da documenta como uma exposição radical, empurrando-a em direção ao lucro acima de tudo, motivo que corroeu o potencial político e a possibilidade emancipatória da arte contemporânea. Somos obrigados a escrever uma proposta de uma melhor estrutura para a documenta que não privilegie os lucros acima de todas as outras prioridades e que defenda sua “futura autonomia artística e curatorial e sua responsabilidade política progressiva”.

A documenta 14 (Adam Szymczyk), com base no trabalho das quatro edições anteriores da documenta X (Catherine David), documenta 11 (Okwui Enwezor), documenta 12 (Roger Buergel / Ruth Noack) e dOCUMENTA (13) (Carolyn Christov- Bakargiev), expandiu as perspectivas não-ocidentais da cultura contemporânea, manteve distância do mercado de arte e propôs novas geografias políticas ao realizar duas exposições de igual tamanho em Atenas e em Kassel. No entanto, as recentes declarações públicas [ver links no final] sugerem que a história e a missão da documenta não são totalmente apreciadas e que, portanto, não são defendidas adequadamente pelo atual diretoria supervisora.
A documenta foi fundada em 1955 sobre as ruínas da cidade de Kassel que foi um dos primeiros locais de violência nazista entre 1933 e 1938 – essa foi uma exposição cuja missão, como imaginou seu fundador Arnold Bode, era encorajar debates nas artes contemporâneas que pudessem se opor aos espectros do nacionalismo, do fascismo e do neo-nazismo contemporâneo. O conselho atual, composta por funcionários eleitos (do SPD, CDU, GRÜNE, LINKE e Independent) permaneceu em silêncio, enquanto que o partido nacionalista de extrema-direita, o AfD, chamou a documenta 14 de “entstellte Kunst”, evocando o termo nazista “arte degenerada”, processou a equipe de curadores e gerentes, e enviou ao prefeito anterior de Kassel, que esteve no cargo nos últimos 14 anos, uma intimação.

O conselho de supervisão ignorou as vozes da divergência dos representantes da Kulturstiftung des Bundes (Fundação Federal de Cultura) dentro do conselho e reduziu tecnocráticamente a documenta em uma iniciativa comercial. A atual estrutura da Documenta mostrou ser inadequada ao momento político atual, sem entender seu maior o significado e as novas preocupações do público de arte contemporânea ao redor do mundo.

Portanto nós pedimos o seguinte:

1. Reafirmar um comprometimento sobre a estrutura da documenta e implementar medidas específicas para o fim do eurocentrismo, a reorientação em direção ao sul global, a descolonização de todas as instituições artísticas e educacionais e opor-se à indústria da guerra, ao racismo institucional e ao fascismo ressurgente.
2. Uma nova estrutura de supervisão projetada para documenta em que os funcionários públicos eleitos possam ser acompanhados por representantes da cultura contemporânea, da educação e por visitantes de museus internacionais.
3. Nenhuma condição pré estabelecida deve impedir a inclusão de outras localidades geográficas fora da Alemanha. A experimentação da forma e do formato da exposição devem permanecer como uma das liberdades essenciais da documenta.
4. A documenta deve financiar totalmente o desenvolvimento do arquivo, do instituto, da programação ao público e organizar essas instituições com base na trajetória das documenta X, 11, 12, (13) e 14 que contribuíram com profundas mudanças que impactaram o entendimento sobre a arte hoje.
5. A categoria de sem fins lucrativos da documenta gGmbH deve ser mantida.

[Links relacionados]

1. Carta de setembro dos artistas da documenta 14: sobre a possibilidade emancipatória de exposições descentralizadas https://www.artforum.com/news/id=71159
2. Carta de dezembro dos artistas da documenta 14: defendendo uma visão radical da documenta 14 https://www.artforum.com/news/id=72702
3. Declaração da equipe curatorial da documenta 14 https://conversations.e-flux.com/t/statement-by-the-artistic-director-and-curatorial-team-of-documenta-14/7013
4. Entrevista com o diretor artístico http://derstandard.at/2000065409032/Adam-Szymczyk-Es-ist-wie-ein-Gangsterfilm-wie-ein-Drehbuch
5. Comentário sobre a saída forçada do CEO http://kassel-zeitung.de/cms1/index.php?/archives/17369-Annette-Kulenkampff-verlaesst-die-documenta.html
6. Documenta 14 como uma exposição radical http://www.kunstkritikk.com/kommentar/we-need-to-reclaim-the-narrative-of-documenta-14-as-a-radical-exhibition/
7. A visão do sul global https://www.contemporaryhum.com/seeing-d14-from-the-other-south
8. Curadores prometem lutar contra o neo-fascismo http://www.artnews.com/2017/06/07/documenta-14-opens-in-kassel-with-fiery-combative-press-conference-as-curators-pledge-to-fight-neo-fascism/

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