A arte triunfa sobre o comércio? – Parte 1

Simon Schama e as vicissitudes do Liberalismo na era do Império

por Marc James Léger

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Na era de indústrias culturais, estrelas acadêmicas às vezes se tornam celebridades pop-culturais. Em alguns casos, esse intelectual é capaz de satisfazer tanto os fãs acadêmicos de sua obra quanto ao público genérico, apenas curioso em saber quais ideias estão mudando a paisagem da cultura contemporânea. Em outros casos, esse objetivo de contribuir para o debate público não satisfaz nem aos requisitos da erudição, nem é popularmente um sucesso.

Como podemos explicar o sucesso do acadêmico Simon Schama, cujo a série de TV sobre a história da Grã-Bretanha já lhe rendeu uma Ordem do Império Britânico em 2001 e um contrato de cinco milhões de dólares para uma outra série sobre a história da migração com a BBC em 2003? A tarefa que eu tenho hoje é dar conta dessa explicação focando em um episódio de “Simon Schama – Power of Art”, uma série da BBC de 2006, que foi recentemente transmitida no Canadá, os EUA e Nova Zelândia.

Simon Schama é historiador formado pela Universidade de Cambridge. Foi professor em Oxford, Harvard e depois na Universidade de Columbia, Nova York. E 1995, passou a trabalhar como crítico de arte para a revista New Yorker.

Sem criar muito suspense em torno do que eu tenho a dizer sobre “Power of Art”, deixe-me dizer isto: a razão pela qual Schama satisfazer o público e acadêmicos liberais é que ele explora com sucesso a contradição entre os dois. A maneira desafetada, natural e sensível de Schama fornece uma versão demasiadamente familiar da visão sobre a ordem social, beleza natural e progresso social do iluminismo liberal humanista, apresentada com uma boa dose de sátira popular e sarcasmo. Ele é um William Hogarth para a nossa era neoliberal, tanto como um historiador quanto como um jornalista que comenta sobre questões contemporâneas, como a resposta americana ao 11 de Setembro e a guerra contra o Iraque. Ele serve-se das fraquezas dos ricos, dos poderosos, da vanitas dos novos-ricos, e o faz de maneira que atrai grande interesse popular por parte do público culto e letrado, e por parte dos filisteus que não se importam com o que acontece no mundo. Schama interpreta o liberal por excelência, o Voltaire de Westminster, e não é nenhuma surpresa que ele inicia sua série sobre arte com o século XVII, a grande era do Liberalismo, e o período no qual o conceito de arte como uma profissão liberal surgiu, pela primeira vez, como tema do questionamento intelectual.

A história que Schama usa para fechar sua série é uma história real, sobre Colin Powell, então Secretário de Estado de George W. Bush. Em discurso contrário a Saddam Hussein, na ONU, Powell pediu que a tela “Guernica”, de Picasso, um dos grandes atos de acusação artística contra a guerra, fosse coberto com um grande tecido azul. Powell estava obviamente preocupado que semelhanças seriam estabelecidas entre a administração Bush e o regime fascista de Francisco Franco. Schama apresenta este incidente como um exemplo de como a arte não é apenas uma questão de prazer, mas sim de vida e morte, questão esta que levamos para casa até com a embalagem do DVD da série, que mostra um líquido vermelho que tanto lembra tinta vermelha, como sangue. O poder da arte, afinal, não é nada menos que a sua capacidade de nos revelar a beleza da verdade e da liberdade, e para nos redimir de um mundo mecânico e complacente. A arte não toma nada como certo, garantido, e isso é especialmente notado quando o artista luta contra todas as probabilidades, em momentos dramáticos de paixão, dor e êxtase, e surpreende o mundo com a integridade de uma visão artística e a sua realização.

Qualquer pessoa com formação em teoria cultural contemporânea pode apontar falhas no historicismo cru, sem verniz, de Schama, mas nós não seríamos capaz de culpá-lo por tentar popularizar uma versão acessível da cultura, no entanto canônica e bem guardada. Mantenhamos em mente que foi a televisão que concedeu um título de nobreza à Schama, e não apenas a sua erudição. Podemos criticá-lo, no entanto, pela vilania com que ele embala ideias surradas e desgastadas a respeito de geniais criadores. A batalha intelectual pode ter sido vencida por antecipação, mas este não é o caso para a batalha política. Como podemos nós, como estudantes e estudiosos interessados em arte e cultura, reconciliar esta contradição?

(continua)

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