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Relato de uma tarde na China: Luo Qi e o “caligrafismo”.
Era um sábado quente e úmido. Coloquei um vestido fresco, almocei arroz com legumes e chá verde, fui para a entrada do centro de design SUNHOO, em Hangzhou, esperar pela carona. Nessa tarde nós visitaríamos um ateliê nas proximidades e eu estava bastante curiosa. Pontualmente ele chegou. Entrei no carro e procurei acompanhar a sonoridade da língua chinesa, com sua melodia colorida e para mim tão despida de seu valor semântico. Embalada pelo estranhamento não percebi quando chegamos ao destino, uma casa rodeada por plantas e árvores na base da montanha. Entramos. Objetos criavam uma envolvente narrativa visual. O chá era preparado e eu perguntava-me quem era aquele artista à minha frente.
Luo Qi nasceu em Hangzhou em 1960 e lá vive até hoje. Com 26 anos graduou-se na “China Academy of Art” e nos anos 80/90 foi um dos proponentes do movimento de caligrafia chinesa moderna, cujo nome podemos traduzir como “caligrafismo”. Foi professor, editor da revista “Art Rieches Magazin” e dedicado pesquisador. Além da tradicional caligrafia chinesa, Shūfǎ, estudou caligrafia em diversos países e em seu ateliê reúne uma coleção de objetos relacionados ao assunto provenientes do mundo todo. Os tecidos estampados, porém, chamaram minha atenção. Por que estavam ali? Traduções, palavras desencontradas e meio-entendimento: padrão. Sim, os tecidos exibiam padrões: florais, geométricos, ícones visuais.
Um ícone visual é uma imagem que representa por força de semelhança um outro objeto. Assim, é fácil entender o fascínio exercido por tais imagens em Luo Qi. Os mais elementares caracteres chineses são pictogramas, ou seja, são imagens estilizadas dos objetos que representam. Apesar de outros caracteres representarem conceitos abstratos ou até terem valor fonético, o surgimento dos caracteres chineses, hànzì, está diretamente relacionado com a idéia de ícone visual.
Atualmente, os caracteres chineses diferem dos originais e para mim, nascida longe da China, é difícil reconhecer qualquer valor icônico nos mesmos. São os atributos formais de cada caractere que me chamam à atenção, sua composição, seu equilíbrio formal e movimento. Talvez seja essa a razão pela qual o movimento de transformação da caligrafia chinesa em arte contemporânea, liderado por Luo Qi, tenha acontecido tardiamente.
No início do século passado, artistas do ocidente entraram em contato com a arte e cultura japonesa e imediatamente perceberam o potencial estético da sua caligrafia. Despojados da tradição cultural associada à escrita no Japão, artistas como Joan Miró, puderam explorar a caligrafia de um ponto de vista completamente novo: com a anulação do valor semântico do caractere, a caligrafia torna-se pintura abstrata. As técnicas, a gestualidade, os formatos e materiais da caligrafia também influenciaram os artistas do ocidente.
Não é a toa que Joan Miró, assim como Mondrian, foram artistas importantes na trajetória de Luo Qi. Provavelmente, o contato com o pensamento ocidental deu aos artistas chineses do “caligrafismo” uma visão externa da sua tradição, possibilitando que os mesmo rompessem com a caligrafia chinesa tradicional e a transformassem em um novo movimento estético. Entretanto, a apropriação da caligrafia pelos artistas do ocidente não pode ser igualada ao movimento instaurado pelos “caligrafistas” na China por um único motivo: os “caligrafistas” trazem consigo milênios de tradição.
O “caligrafismo” é a síntese dos pensamentos ocidentais e orientais conjugados. É um ponto no qual nossas culturas chocam-se e se combinam. O chá está pronto, conversamos sobre a importância do corpo e do gesto na caligrafia chinesa. Luo Qi mostra um desenho com 300 diferentes caracteres caligrafados, todos representam uma única idéia. Eu fotografo alguns tecidos e sento-me em sua mesa enquanto algumas galinhas asiáticas estranhamente familiares nos observam pelo vidro.
Bibliografia:
KING, Alice. Luo Qi: Calligraphy Painting. Hong Kong:Alice King Gallery, 2006.
SATO, Christine Flint. The rise of Avant-garde Calligraphy in Japan. Disponível em: < http://www.ejf.org.uk/SLcatmk2.pdf > Acesso em: 08-06-2013
Miró and Mallorca. Fundació Pilar i Joan Miró a Mallorca. Disponível em: < http://miro.palmademallorca.es/pagina.php?Idi=2&Cod_fam=3&Cod_sub=11 > Acesso em : 08-06-2012
Por Monica Rizzolli
* A visita ao ateliê de Luo Qi foi realizada durante o programa de residência artística “Creatives in Residence 2012” coordenado por Luca Zordan em Hangzhou, China.