A arte triunfa sobre o comércio? – Parte 7

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A produção contemporânea de arte crítica pode se beneficiar da recontextualização da teoria da ‘boa vontade cultural’ da classe média baixa, como um setor chave do espaço social de Bourdieu. O modo geral de produção/consumo (ou habitus de classe) que Bourdieu definiu como a disposição pequeno-burguês é a de alodoxia: uma forma vazia de boa vontade e de reverência para com a alta cultura que se baseia em identificações equivocadas, combinadas com a ansiedade sobre o status social. Enquanto a alodoxia deve o seu senso de distinção para o modo de consumo que é próprio da cultura legítima – desinteresse – ela confunde esteticismo com a cultura popular e prefere versões acessíveis de experimentação avant-garde. Ou seja, o conteúdo político funciona em um nível geral acima da especificidade formal, mas o conteúdo é o conteúdo impossível de uma forma vazia de política.

O modo pequeno-burguês de produção e consumo tenta operar como um índice separado, neutro e estritamente consumista do poder das instituições para impor capital cultural. Consequentemente, a arrogância avant-garde e insolência em si deriva da certeza ‘heróica’ da posse da cultura por meio de engajamento sério com ela – como certamente era o caso de Caravaggio. Essa arrogância e insolência são substituídas pela ansiedade permanente daqueles que não sabem como jogar o jogo da cultura como um jogo, e que pretensiosamente se identificam demasiadamente com a cultura. É justamente essa histeria de pretensão que Schama explora.

A pretensão, segundo Bourdieu, é objetivamente se basear no desejo pequeno-burguês de escapar da pobreza para a adquirir “classe” para si – a própria substância de distinção social. Devido a essa corrida contra o tempo, e porque a ordem do tempo é marcada pelo crescente abismo entre os trabalhadores pobres (incluindo a classe média) e a riqueza de um pequeno mas crescente número de bilionários e mega corporações, o modo pequeno-burguês de se apropriar da cultura domina as instituições culturais de hoje.

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Entre as modalidades de alodoxia, Bourdieu propõe os seguintes processos: indeterminação estrutural vis-à-vis o campo social; ressentimento contracultural que beira o niilismo (especialmente entre a pequena-burguesia em declínio); o gosto pelo novo e uma vontade de submeter-se a mudanças de estilo de vida (especialmente entre a emergente pequena-burguesia executante); a criação e venda de novos produtos; novas profissões que permitem estratégias simbólicas de reabilitação; ocupações que enfatizam a produção simbólica, especialmente nas áreas de comunicação e novas mídias; a eufemização da seriedade e da diversão ética (ironia pós-moderna); estratégias de relaxamento e convívio; afetação na simplicidade; brilhantismo combinado com blefe; simpatia com discursos que desafiam a ordem cultural; a denúncia da hierarquia; a ênfase na saúde e terapia psicológica; um imperativo da relação sexual; a oferta da própria arte de viver de um indivíduo como um exemplo para os outros; utopia pragmática; e , uma medida da distância psíquica do impacto direto das forças de mercado. Em suma, uma série de maneiras liberadas e escolhas de vida que traem um esforço para desafiar a gravidade do campo social.

O desafio à autoridade é uma característica particularmente reveladora da estrutura de classes e é aquele que aparece de forma proeminente em relação à concepção carismática do artista como rebelde, estranho, ou visionário, uma concepção que Schama explora descaradamente. No entanto, a razão para isto é menos do que benigna. Os limites de autoridade são os mais permeáveis das fronteiras de classe, em comparação com os limites mais estáticos de propriedade. Enquanto o questionar e desafiar de autoridade não implicam um aumento correspondente nos níveis de educação e de uma distribuição democrática da riqueza, as indústrias culturais podem continuar com a venda rebelde, ou com o que Thomas Frank chama de ‘a conquista do cool’. Para aqueles que esperam encontrar um pedaço redentor de inteligência na televisão, há a série ‘Power Of Art’, o marketing de superfície de obras de arte canônicas, mesmo que por outro bajulador pós-modernista servil. E por que não, dadas às alternativas, talvez ‘Mad Men’.

(continua)

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