Aos cuidados de Paris – 2014

“Aos cuidados de…”

Trata-se de um projeto que visa promover o intercâmbio artístico e cultural entre artistas de diferentes cidades, culturas e países através de um trabalho colaborativo.
Contempla duas exposições simultâneas nas cidades envolvidas em cada edição e também envolve o desenvolvimento de um diário online entre os participantes e palestras (“bate-papos”) semi-presenciais.

Edição 2014
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Regulamento
Curadoria Fabiana de Morais e Douglas de Freitas.

Texto sobre o projeto e a exposição por Fabiana de Morais:
SÃO PAULO – O encontro com a equipe do ateliê Coletivo 2E1 (São Paulo) deu-se no momento em que eu preparava um encontro nacional de espaços autônomos de artes visuais brasileiros, que aconteceu no Rio de Janeiro, em abril de 2014. Inicialmente, fui a São Paulo e visitei o local, conversei com Carolina Paz, que me informou sobre os projetos desenvolvidos – muitos deles relacionados à formação não formal do artista, realizada por meio de palestras, workshops, encontros diversos, exposições. Monica Rizzolli, que na época vivia em Kassel, logo me propôs Aos Cuidados de como um projeto que poderíamos realizar em Paris, em um espaço autônomo da cidade. Uma primeira edição do projeto havia acontecido em Kassel em 2013 e a ideia era criar uma itinerância da proposta. Eu atuaria em Paris e Douglas de Freitas acompanharia o trabalho dos artistas em São Paulo.

PARIS – Uma pesquisa sobre os artist run spaces, espaços de arte que compõem circuitos ditos “independentes”, “alternativos” me levou, em 2013, a encontrar a equipe de Glassbox – na época composta por Clémence Agnez, Damien Roger e Sabrina Issa. Naquele momento, Glassbox desenvolvia a plataforma Artist run spaces (ARS), um trabalho de levantamento dos espaços de arte franceses, reunidos numa plataforma na web. Uma conversa com a equipe do Glassbox bastou para que fossem constatados muitos pontos comuns com seus pares brasileiros: o fato de ser um lugar de experimentação de artes visuais, gerido por artistas, que, por vezes, atuam como curadores, produtores, gestores; as necessidades que se impõem quando o assunto é a sustentabilidade do espaço artística e financeiramente; o lugar por ele ocupado no sistema atual das artes; a ausência de fins lucrativos e sua relativa importância para o circuito local. Além disso, o espaço atua em parceria com outras estruturas, públicas e privadas, estendendo o alcance das ações propostas, implicando diversas instâncias da sociedade – escolas, faculdades, instituições de arte…

Aos Cuidados de Paris / A l’attention de Sao Paulo propõe, para além do intercâmbio de artistas residentes em países distintos, a colaboração entre dois espaços autônomos. Esse marco inicial de partilha é solo para os processos artísticos e curatoriais do projeto. Não se trata apenas de montar uma exposição de cada lado. Trata-se de construir o processo (bilateral) que leva a um vernissage simultâneo, com trabalhos de dez artistas, sob acompanhamento de, digamos, seis curadores.
Quando falo de processo, refiro-me ao trabalho intenso que envolve acompanhamento curatorial, no momento da concepção e da transmissão dos projetos individuais dos artistas, tanto quanto à mediação e à comunicação que, por vezes, embaralharam-se na passagem de um idioma para outro, de um e-mail para outro.
Os dez dias de residência no Glassbox tornaram possível a emergência de interrogações de ordem artística mas, sobretudo, evidenciaram as dificuldades e o prazer de se trabalhar com as fronteiras (aqui tênues) da autoria.
Entre a ideia enviada e o trabalho artístico propriamente dito, onde situar o autor? Porque acolher a proposta do outro não significa simplesmente transpor esta proposta para o espaço, materializá-la, concretizá-la. Por vezes, entre a imaterialidade do projeto e a execução do mesmo, questões, desejos e até mesmo necessidades de ordem subjetiva/artística/pessoal entram em jogo. Assim, alguns artistas levantaram a hipótese de acolher o projeto de seu par e atuar na liberdade de interpretar, reformular, derivar, desviar, inserir, adicionar, retirar, deformar… A noção de alteridade, por sua vez, ganha em sua dimensão simbólica. A alteridade torna-se determinante, motor, para o funcionamento dos artistas. Talvez por isso o processo, determinado pela presença do outro tenha, aqui, merecido tantos cuidados.
Alguns trabalhos e modos de funcionamento de algumas dessas cinco duplas permitiram a abertura, enquanto outros estruturaram-se a partir de uma troca sem interferências. Mas nem por isso a reflexão acerca do que é a autoria, no âmbito de um projeto colaborativo, deixou de existir. Em todos os casos, abriu-se espaço para o debate, muitas vezes compartilhado por vários, ponderados e solucionados coletivamente. Textos, textos e mais textos foram produzidos, trocados, compartilhados, discutidos. E a intensidade das discussões foi, certamente, reflexo da intensidade da dinâmica estabelecida por Aos Cuidados de Paris / A l’attention de Sao Paulo.
O caráter experimental e a força conceitual das propostas aqui apresentadas evidenciam a sintonia e os cuidados, que rapidamente determinaram as relações, tanto entre artistas afastados geograficamente, quanto aqueles que compartilharam o espaço físico da galeria, durante as residências que antecederam o vernissage.
Paradoxalmente, o vernissage simultâneo assume ares de encerramento. Mas, talvez, seja este o fechamento de um processo aqui fundamental: as trocas intensivas entre todos os artistas e curadores envolvidos; ao mesmo tempo, como abertura que é, ele inaugura um segundo momento de partilha, estabelecendo em definitivo a conexão – agora inegável – entre São Paulo e Paris.

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