Profissionalizando: A hiper-profissionalização do artista emergente

Por Daniel S. Palmer – publicado em www.artnews.com
03/09/16

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Ilustração de Victor Juhasz, 2016.

No final do verão passado eu cheguei no estúdio de um jovem artista no Brooklyn para uma visita que eu pensei que tinha sido marcada como uma oportunidade de conhecer melhor seu trabalho. Eu tinha visto suas pinturas em algumas exposições e havia pesquisado para saber mais sobre elas. Marcamos um encontro depois que fomos apresentados por um amigo em comum. Expliquei para o artista em um email que eu não “tinha qualquer projeto específico de exposição em mente, mas só queria ter a oportunidade de aprender mais sobre a sua prática.”

Quando eu cheguei no estúdio um assistente me cumprimentou, em seguida, o agente do artista, seguido por outro representante da galeria, que disse ser um diretor de relações do museu (ou de engajamento do museu ou algo assim). Eu rapidamente percebi que, apesar de meu interesse explicitamente articulado em visitá-lo como uma oportunidade para pesquisa, a reunião seria muito mais formal do que eu esperava. Quando o artista se lançou em uma apresentação cuidadosamente ensaiada sobre o trabalho, ficou claro que as linhas foram extraídas de comunicados para imprensa ou artigos. Um relato cronológico da curta carreira do artista veio a seguir, seguido pela história de como ele começou a fazer o tipo de trabalho que o tornou mais conhecido e, finalmente, por algumas informações sobre as próximas exposições institucionais no exterior. Quando perguntei sobre um corpo de trabalho que havia sido pulado, o agente mais próximo interveio: “Você não tem que falar sobre isso”, agindo algo como representação legal (coincidentemente, ou mais provavelmente não, mais tarde eu ouvi que o trabalho em questão tinha sido objeto de uma ação movida por um colecionador). Quando a apresentação terminou, senti como se o artista fosse um representante de uma marca e que acabara de entregar um meticuloso e ensaiado discurso de vendas. O formato de palestra do discurso deixou claro que a minha opinião não seria bem-vinda, mas como a visita começou a perder o pique, me perguntaram algo pela primeira vez naquela manhã: “Então, em quais exposições você poderia, em um futuro próximo, inserir nosso artista?” Quando eu expliquei (mais uma vez) a finalidade da minha visita investigativa e comecei a esclarecer que eu não tinha nenhuma exposição em mente, eu percebi (novamente) o quão os curadores são cúmplices hoje em dia em legitimar um trabalho medíocre empurrando-o agressivamente apenas para ganho pessoal. O artista em questão tinha apenas vinte e poucos anos.

Quando penso sobre essa história, eu posso entender a noção generalizada entre os curadores e críticos de que o papel do artista emergente mudou dramaticamente durante os últimos anos. Neste caso, a pressão a partir da galeria e da lustrosa apresentação visual do artista destaca um desvio nos objetivos dos artistas, impulsionado por prioridades distorcidas.

A mudança é ainda mais encorajada pelo crescente envolvimento de indivíduos ricos no mercado de arte emergente que primeiro fizeram o seu capital através do investimento em mercado financeiro, imobiliário, ou outras indústrias relacionadas. Compreensivelmente, eles se aproximam de seu novo interesse (na arte contemporânea de alto rendimento) com o mesmo tino comercial afiado que trouxeram de seus outros investimentos. Para este propósito, serviços como a ArtRank surgiram. A ArtRank pretende oferecer gráficos e planilhas que “quantificam o mercado de arte emergente”, declarando quais os artistas valem um investimento por cerca de US$ 10.000, US$ 30.000, e US$ 100.000; quem vender no momento, porque seus preços estão em alta; e quais nomes podem ser classificados como “aposta emergente” ou “aposta subestimada”. As publicações de projeções trimestrais dessa empresa pretende permitir que os especuladores “colecionarem de maneira esperta”, tomando decisões de compra informadas sobre os mercados emergentes.

Com a ascensão de colecionadores especulativos lucrando com jovens artistas – muitos deles que acabaram de sair da escola – cujo trabalho é feito de forma barata, em massa, e revendidos com lucro significativo, também tem havido uma hiper-profissionalização do próprio papel do artista emergente (minha escolha de pronome não é por padrão: o artista em questão é quase sempre do sexo masculino – o desequilíbrio entre os gêneros no mercado de arte está claro também para esta tendência). Ele tem cartões de visita impressos em papel de qualidade. Seu site é primoroso. Seu CV é extenso e formatado corretamente. Ele pode mesmo ter contratado um agente de Hollywood. E ainda assim o mercado de arte refocou seus objetivos em prol de um sucesso comercial de curta duração em vez de uma carreira.

Esta inversão infeliz intensificada por uma base crescente de colecionadores,  gravitando em direção ao trabalho a um preço acessível, pode assombrar um artista que está apenas começando. Certos jovens artistas defendidos pelos agentes ou colecionadores preocupados principalmente com o resultado final, alcançaram uma tração comercial massiva  muito cedo em suas carreiras, antes de tal atenção ser apropriada. O sucesso em si é questionável por causa dos meios através dos quais ele muitas vezes ocorre: um agente compra um grande número de obras de um artista para si (mais uma vez, os comerciantes do sexo masculino parecem particularmente parciais  para esta abordagem), e incentiva outros a fazerem o mesmo. Seus investimentos coniventes criam um mercado para o trabalho praticamente de um dia pro outro, juntamente com a atenção reservada para o artista do momento. Quando o artista percebe a extensão dessa manipulação, a ruptura com o agente/investidor é tipicamente seguido por ações judiciais e uma queda dramática em seus preços, bem como  uma confiança quebrada, por parte do artista e o mundo da arte em si – no mérito do trabalho. A mentalidade de prospecção no mercado emergente leva muitos novos colecionadores a comprar arte simplesmente como fariam com qualquer bem de luxo, como um investimento financeiro aparentemente sábio que vai se pagar rapidamente.

Como a compra e venda de arte tornou-se mais comercializada, o mesmo aconteceu com os artistas, começando tão cedo quanto a sua escolaridade. Programas M.F.A. (formação em artes que normalmente ocorrem depois de 2 a 3 anos de pós-graduação), em vez de servir como locais para experimentação e refinamento do próprio estilo, evoluíram como escolas de comércio monótonas e clubes geradores de dívidas de networking (uma pesquisa recente com os programas M.F.A. mais influentes calculou que suas taxas de matrícula em média estão em cerca de US$ 38.000 por ano).

Aqui, artistas prospectam o aperfeiçoamento do discurso de vendas para as visitas de estúdio. Isto tem efeitos residuais: galerias recrutam aqueles que podem se dar ao luxo de pagar mais para os programas de primeira linha, não por causa de suas habilidades, mas sim porque eles exemplificam um pedigree que pode ser incorporado como parte de um pacote vendável. Muitos graduados M.F.A. completam a sua formação com uma dívida incapacitante adicionando isso ao fascínio de sucesso comercial. Uma vez que os artistas se juntam à “tropa” de uma galeria, que é às vezes também chamado de “stable” (do inglês, pode significar “estável” mas também significa “estábulo” que evoca o esporte profissional ou corridas de cavalos), o ciclo continua com as pressões dos negócios que levam os artistas à auto-censura e para a  conformidade com as tendências do mercado. Galerias – e muitas vezes os próprios colecionadores – incentivam os artistas a produzir mais do que funciona para o mercado.

Todo o sistema parece desenhado, predominantemente, para decepcionar. O que surgiu dessas falhas é uma distinção muito clara entre artistas baseados em produto e artistas baseados em projeto. Artistas baseados em produtos têm sido levados a pensar em uma obra de arte como um produto que serve uma demanda, ao invés de um único passo em um longo desenvolvimento mais sustentado, como é o caso dos artistas baseados em projeto. Considere a tendência mais visível nos últimos anos de “Formalismo Zumbi” (Zombie Formalism), uma espécie de pintura abstrata redutora, facilmente produzida, vendida rapidamente para colecionadores em listas de espera e famintos por obras inócuas e decorativas em um estilo de assinatura. Tanto que o nome do próprio artista se torna a marca.

No entanto, a arte baseada no produto não é específica para abstração ou figuração (como uma mudança ainda mais recente do mercado pode estar demonstrando), mas sim o resultado de agentes e colecionadores incentivando artistas para criar mais do mesmo tipo de trabalho que ficou popular. Frequentemente curadores de museus cedem a essas pressões também, validando a tendência ao encenar exposições de artistas queridinhos do mercado colecionados por seus administradores com a falta de escrúpulos que compete com as dos piores comerciantes de arte. O caminho do sucesso comercial pode ser cada vez mais fácil, mas restringe o que de outra forma poderia ser uma carreira profunda, expansiva e fortuita. Este foco orientado para resultados pode ser contrastado com a ideia de que um artista deve ser autorizado a seguir um projeto sustentado de criação de arte de forma independente e apaixonada, independentemente do feedback do mercado. Isso pode significar a mudança de estilos ao longo dos anos e ser menos  viável comercialmente em certos momentos, mas esse projeto a longo prazo terá uma linha narrativa notável de um conjunto consistente de questões e problemas. O projeto e suas muitas manifestações são melhor identificados retrospectivamente, mas buscas e dúvidas são partes geradoras do mesmo. Com algumas notáveis exceções (como Warhol e Courbet, que produziam seus trabalhos como máquinas), os artistas mais fascinantes e importantes da história exemplificam esta abordagem permanecendo fiéis ao que os levou a criar, em vez de cederam a respostas externas. Todos nós devemos estar preocupados se esses artistas começarem a desaparecer.

É claro, galerias existem em parte para criar oferta e demanda para obras de arte a fim de ajudar os seus negócios e os artistas lucrarem. Eu não estou dizendo que galerias e artistas não deve ganhar dinheiro com o que eles fazem , mas a manipulação do mercado transformou artistas emergentes em um produto padronizado que pode ser facilmente vendido. Pintura – sob a forma de “Formalismo Zumbi” ou alguma nova tendência – é tão prevalente no mercado de arte por ser facilmente transportável e armazenável, nova e ainda de alguma forma familiar, com toques vagos de marcos da história da arte. Estes produtos facilmente reconhecíveis podem ser criados como uma produção de linha de montagem que satisfaça os coletores neófitos que compram arrebanhando obras. O mais recente objeto pode ser muito parecido com o último que você viu, provavelmente porque ele foi produzido com um prazo e em meio a inúmeras outras pressões.

O mercado orientado ao produto de artistas emergentes resultou em objetos que são criados e julgados como ações da bolsa, cujo valor e significado pode variar para cima ou para baixo a cada temporada. A visão cínica da arte como propriedade – e especificamente como um instrumento funcional financeiro – remonta à nota de Duchamp para um readymade recíproco: “Use um Rembrandt como uma tábua de passar”. Ou, parafraseando, use uma pintura como um contador de dinheiro (Duchamp também escreveu de Paris para o revendedor novaiorquino Alfred Stieglitz em 1928: “O sentimento sobre o ‘mercado’ aqui é tão nojento que você nunca ouve mais de um pensamento próprio – Pintores e pintura sobem e descem como a bolsa de Wall Street.”).

Mas os investidores sabem melhor do que ninguém que os mercados especulativos são setores altamente voláteis, especialmente quando eles são opacos, não regulamentados e explorados por forças que investem pesadamente (o “Formalismo Zumbi”, por exemplo, que aumentou em popularidade em menos de dois anos antes da redação deste texto, já caiu em desuso). Tendências, eventualmente, sofrerão correções de mercado. Bolhas da moda arrebentam. E por isso é importante não confundir o comércio com carreiras. O aumento rápido e o acentuado declínio de muitos dos nomes notoriamente favoráveis para o mercado ainda podem ser transformados em algo mais sustentável. Ao longo do tempo, erros da juventude sempre pode ser corrigidos. Enquanto as pessoas motivadas pelo lucro tiveram incrível poder de influenciar as tendências e reputações, aqueles com menos participação financeira devem tomar como seu dever resistir a estas tendências e questionar os supostos absolutos do mercado. Nossos erros presentes devem servir como incentivo para o próximo grupo de jovens artistas decidirem entre recompensas a curto prazo e o jogo por muito tempo. Em um momento de monotonia e conformidade, os artistas devem recuperar sua liberdade.

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