Estariam os artistas carentes de ideias?

Jovens artistas copiadores estão imitando os mestres do século XX – intencionalmente ou não – e isso não é, apenas, uma forma de homenagem.

Por Ryn Steadman – Tradução Juvêncio Vilhena
Publicado no site do Observer.com em 17/02/2016untitled-21

Esquerda: Chris Succo, ACTRESS SHOWED HER LOVE, 2013. Direita: Robert Ryman, Unit, 1980. (Foto: cortesia do artista) (Foto: cortesia do Instagram)

Neste mês, a falsificação de obras de arte se tornou o centro das atenções no Tribunal de Knoedler que, para manifestar sua decisão, teve que determinar quem comercializou ou não, deliberadamente, falsificações de obras de Konning e Rothko a colecionadores desavisados.
Enquanto esses esquemas continuam sendo revelados, um grupo diferente de colecionadores vem arrematando obras de arte que são muito similares àquelas de mestres da pintura como Joan Miró e Robert Ryman – e até de jovens estrelas das artes como Joe Bradley – por uma fração do seu custo.
Essas obras de arte são absolutamente legais, ainda que tenham sido realizadas por outras pessoas que não os artistas consagrados com cujo estilo se assemelham. A diferença é que os colecionadores conhecem a verdadeira identidade desses pintores.
Um pintor que se ajusta a esse perfil é Cris Succo, um artista alemão de 35 anos que, de acordo com seu currículo, realizou cinco exposições individuais e um mínimo de doze coletivas num período de vinte e um meses, entre 2013 a 2014. Desde então, tem trabalhado em, pelo menos, cinco outros estilos, incluindo uma série de pinturas de garotas no estilo Pinup das colagens e uma nova série de pinturas caligráficas; no entanto, o trabalho que primeiro atraiu atenção sobre ele foi uma série de pinturas quase inteiramente brancas como ‘Actress Showed her love’, de 2013.
São trabalhos feitos de espessas pinceladas que revelam, parcialmente, a superfície plana da tela, normalmente numa cor única. É um belo truque, mas Robert Ryman (1930), que atualmente está com uma exposição que cobre meio século de seu trabalho excepcional no Dia:Chelsea, exauriu esse mesmo formato nos anos 60 e 70 com suas próprias pinturas ”brancas” (quando incursões extremamente formais ainda eram consideradas atos de vanguarda).
O fato de que Robert Ryman iniciou seu projeto há mais de 50 anos e alcançou uma sensibilidade sobre linha e composição muito superior ao alcançado por Succo, deixa muito pouco a ser aproveitado no trabalho do jovem artista. Surpreendentemente, o já conhecido trabalho de Succo prosperou no mercado de arte, tanto que uma de suas pinturas, com aproximadamente 180cm de altura, foi vendida por U$$76,000 no leilão de primavera da Phillips, em Londres, em 2014.
Pinturas desse tipo se tornaram popular durante os recentes anos do boom no mundo das artes, entre 2011 e 2015 e, ainda que seja raramente mencionado em press-releases, ou na mídia, muitas dessas pinturas parecem muito similares às obras de arte de pintores consagrados como Ryman.
Esses artistas copiadores têm surgido por todos os lugares – em galerias sofisticadas e alternativas, na América e pelo resto do mundo. É irônico, uma vez que um dos principais cânones da arte modernista, aquela praticada por artistas consagrados que agora são copiados, era a originalidade. De fato, a demanda por originalidade tem mantido seu valor na arte contemporânea, apesar da ampla aceitação da apropriação, popularizada por artistas como Richard Prince and Sherrie Levine nos anos 80. Mas, para esclarecer, essas novas pinturas imitativas não se utilizam de apropriação.
“Acho que a apropriação é um gesto que reconhece a relação com a arte utilizada…adicionando uma complexidade à experiência do observador”, disse o artista Carl Ostendarp, que é representado pela Galeria Elizabeth Dee, em Nova York, e é Diretor de Estudos Graduados do departamento de arte da Universidade de Cornell.
O fato de que similaridades com outros artistas são raramente mencionadas na divulgação das exposições de artistas copiadores, leva a crer que esses artistas não estão trabalhando com apropriação.

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Acima: Joan Miró, Bird Woken by the Cry of the Azure Flying Away Across the Breathing Plain, 1968. Abaixo: Christian Rosa, Oh My God, 2013. Foto: Cortesia de Nahmad Contemporary. Foto: Cortesia de Ibid Gallery, Londres.

Enquanto a imitação lentamente se torna lugar comum entre artistas emergentes, os preços de outros pintores copiadores subiram ainda mais em leilões e mercado secundário. Christian Rosa, Um pintor brasileiro radicado na Áustria, alcançou sucesso impressionante ao invocar em suas telas o trabalho de um artista ainda mais importante – Joan Miró. Em 2015, Rosa viu seu trabalho ser vendido em leilão por mais que $200,000. Diferentemente de Succo, que escolheu desenvolver alguns estilos variados, Rosa tende a trabalhar num estilo único que se transforma em vários sentidos. No coração de seu processo estão espirais e formas em óleo, carvão e grafite. Embora os trabalhos sejam inteiramente não- representativos, têm o infeliz efeito de parecer muito com o estilo de pintura de Joan Miró, mas drenando completamente o conteúdo o caracteriza.
Rosa tem se conectado com diferentes formatos mais recentes, inclusive o uso de uma estrutura de suporte rígido para dar o efeito de linhas numa partitura musical, para compensar seus loops sinuosos e rabiscos. Essa nova abordagem serve para distinguir seu trabalho, mas chega apenas após anos exibindo e vendendo dúzias de pinturas baseadas nos esquemas das pinturas de Miró.
Enquanto a popularidade de Robert Ryman está circunscrita ao mundo das artes, o brilho de Miró é reconhecido por qualquer um com um mínimo de interesse em arte, ao redor do mundo. Mas, bem poucas objeções foram levantadas contra a obra de Rosa, e seu trabalho foi louvado em alguns círculos, ainda que em termos vagos.
A White Cube – galeria que o representa, não respondeu com um comentário mas indicou como referência o website do artista, onde a semelhança aos pintores consagrados é suavizada. “Na superfície as pinturas do Sr. Rosa parecem perseguir os ideais e procedimentos de alto modernismo ao mesmo tempo em que dispensa suas regras. “, diz a publicação. “No entanto, a despeito da possível referência visual aos trabalhos de Wassily Kandinsky e Cy Twombly, sua abordagem é muito mais subjetiva. ” Considerando que Rosa trabalha em uma via menos representacional do que a adotada por Twombly e Kandinsky, sua estética mais se aproxima da de Miró. E, a despeito do apelo ao caráter “ extremamente subjetivo” de seu trabalho, nenhuma evidência dessa subjetividade é apresentada no resto do artigo, apenas considerações formais.
Quem sabe “subjetivo” seja um código para “feito por este artista a despeito do fato de parecer como se tivesse sido feito por outro artista”. O que leva a pensar se a antes tão desejada qualidade da originalidade – em contraposição ao que alguém poderia, agora, considerar subjetividade – finalmente perdeu o seu apelo no mundo da arte, e em que qualidade ou qualidades preenchem esse vazio.
Um olhar de relance sobre a ebulição do mercado da arte contemporânea, entre 2010 e 2015, revela que um imprudente e desqualificado desejo de vender, por parte dos negociadores de arte – e de investir, por parte dos colecionadores – possa ter sido, ao menos, parcialmente responsável.
Por volta de 2010, o surgimento de artistas recém lançados e já consagrados como blue chips nos leilões, como Joe Bradley e Tauba Auerbach, mobilizou negociadores, colecionadores e consultores numa caçada pelas suas próprias futuras estrelas, à medida que mais e mais dinheiro vindo da América, Europa, América do Sul e China inundava o mercado de arte. Esses artistas são herdeiros de um grupo de pintores muito jovens cujos preços se valorizaram rapidamente graças a uma nova geração de colecionadores financeiramente motivados que viram suas coleções mais como um portfólio de investimentos do que como arte.
Pintores por volta dos 20 anos como Parker Ito e Lucien Smith foram sacados de uma certa obscuridade e, em poucos anos, se tornaram commodities muito valorizadas, a despeito da falta de um histórico de exposições ou aclamação pela crítica. Esse furor por arte emergente atingiu seu pico em 2014 quando Lucien Smith, então com 26 anos, quebrou um recorde com uma de suas “Rain Paintings” que foi vendido por aberrantes $372,000 em uma venda da Sotheby’s, em Londres. Após assistir colecionadores saírem com lucros acima de 2000%, colecionadores e negociadores partiram em uma busca frenética pelo próximo grande artista promissor- mesmo que isso signifique ignorar a história da arte ao longo desse processo.
Tudo leva a crer que esses dias espetaculares podem ter se encerrado. Com vendas mais modestas por todo o território da arte contemporânea, 2016 está contando até agora uma estória muito diferente do que a do mundo da arte de alguns anos atrás. Do alto do emergente mercado especulativo, o volume de negócios dessas pinturas imitativas em galerias e feiras de arte foi tão rápido que dificilmente havia tempo de se conectar criticamente com elas. E uma vez que críticas tendem a ser construídas para discutir o trabalho tanto de artistas consagrados como jovens artistas que pareçam trazer uma novidade, a maioria deles olhou para o acervo de trabalhos semelhantes que os colecionadores estavam promovendo e acumulando.
Claro que a imitação – seja ingênua ou deliberada – não é novidade nem é ilegal. “Alguns artistas surgem usando os meios da pintura para produzir um artefato ao invés de usá-los para compor a experiência do observador. “ diz Ostendarp, que fala ao The Observer de seu ateliê em Ithaca, Nova York. “O uso das ferramentas do tomar emprestado, roubar, apropriar-se, copiar, etc., só depende das expectativas ou interesses do artista.”
Outros podem arguir que é verdadeiramente muito difícil ser original na pintura nesses dias. De acordo com a Agência de Estatísticas do Trabalho, havia 500.000 pessoas em 2014 trabalhando em horário integral como artesãos ou artistas plásticos nos Estados Unidos, a maior parte deles trabalhando com o meio mais popular: pintura. Há uma infinidade de cores, pinceladas e composições para descobrir, principalmente quando você envereda pela abstração formal. E, realmente, o mundo da arte tem visto uma explosão de trabalhos simplórios ao longo desses anos de boom, muitos deles pós-minimalismo requentado ou processos baseados em ideias dos anos 60 e 70 com a intenção de produzir um grande volume de abstrações indiferenciáveis.
Mas os artistas mais recentes não estão apenas tomando emprestado estilos daquelas décadas. Alguns deles, como Grear Patterson, estão revisitando 2008 em busca de inspiração. Patterson, que tem 28 anos, tem feito arte numa extensa gama de estilos e meios, de uma série de marinhas decorativas, que foram exibidas no Marlborough Chelsea em Manhattan, no ano passado, a um curto vídeo digital datado de 2013.
Ele fez sucesso, inicialmente, com uma série de telas que iniciou naquele ano – recortes de carinhas do smiley em tecido tensionado (um ‘X’ e um ‘O’ pairando suspenso sobre um arco sorridente). Como esses trabalhos eram precários em conceito, o formato do trabalho ao menos se sustenta como algo único (ainda que o artifício dos rostos simplificados tenha sido intensamente explorado desde que o artista Mark Grotjahn lançou sua série de pinturas de rosto por volta de 2009.)
Mas foi a série seguinte que chamou a atenção. Os trabalhos, denominados ‘Tanks’, consistiam em três formas em tecido elástico que, justapostas, se assemelhavam a tanques esquemáticos, com a estética de um videogame dos anos 80. Poderia parecer um território apropriado para Patterson, se formos nos basear nos rostos do smiley desconstruídos que fizera antes, mas, lamentavelmente, o pintor Joe Bradley já tinha alcançado fama e renome junto à critica, em 2006, por uma série semelhante de monocromáticos agrupados que, de alguma forma pareciam robôs e outros objetos. É uma irônica inversão, considerando que a série de Bradley é reconhecida por referenciar as figuras esculpidas em bloco de Joel Shapiro dos anos 70 e 80, mas de uma forma que, propositadamente, toma emprestado um estilo que transitou da vanguarda ao passado através das décadas. Enquanto os trabalhos de Bradley, a partir dessa ideia, se articulam para expressar um sentimento explícito de nostalgia de tempos gloriosos do passado, a série de Patterson apenas expressa semelhanças formais com os trabalhos da série de Bradley.
No entanto, o aumento dessa redundância não gerou preocupação. Curadores de prestígio, como Bill Arning do Museu de Arte Contemporânea de Houston, insistem que a pintura não está morta.
“Cada vez que vou a Nova York, tem sempre, ao menos, uma exposição acontecendo que é identificada como pintura que vai me despertar e eu vou lembrar o nome do artista e dar uma outra conferida” disse Arning, por telefone.
Claro que a extensa história da pintura e o desafio de se incorporar a essa prestigiada linhagem é parte da razão dos artistas se sentirem atraídos por um meio que, supostamente, ‘morreu’ (ou se tornou irrelevante, para usar os termos da arte) inúmeras vezes, desde a invenção do daguerreotipo por volta dos anos 1800. Seria possível que num dado momento da história – na verdade, recentemente – jovens artistas tenham decidido encerrar a busca pelo significado histórico da arte e, ao contrário, estabelecer um foco no simples prazer da arte decorativa? Mas, do jeito que a criminalidade anda, não é algo que mereça nada além de uma palmada.

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