‘Arte-aprendizagem’ e a relação entre experimento artístico e mercado
Seria possível pensar em educação como uma forma de arte? Seria a arte, em algum nível, um processo de ensino-aprendizagem? Ainda sinto que me escapa essa aproximação mas talvez isso seja um sinal positivo.
Recentemente descobri o The Bruce High Quality Foundation, um coletivo de artistas do Brooklyn, NY, criado em 2004, que se posiciona declaradamente “contrário à máquina de produção de estrelas promovida pelo mercado de arte” realizando trabalhos de crítica ao sistema, incluindo ações educativas.
Os “Bruces” têm entre seus projetos o BHQFU (ou seja, o bruce high quality foundation com “u” de university no final). Este é um projeto de “escola” só que não no sentido formal. Um tipo de residência artística gratuita. Eles dizem que é um experimento de aprendizagem, uma oportunidade de expandir para além do atual fundamento da arte (que para eles é o do mercado ou do sistema estabelecido).


Tal empreendimento dos Bruces vem de encontro ao que vivemos no coletivo 2e1 e às discussões que estamos amadurecendo internamente. Nossa prática de “arte aprendizagem” já tem quase cinco anos mas um posicionamento mais claro para nós mesmos está se dando agora e ainda não está absolutamente definido. Talvez nunca esteja.
Saber de outras iniciativas neste sentido de entender que o aprendizado e a troca de ideias são parte inerente da obra, são obra, são (também) arte, é importante no que estamos construindo aqui. É o que eu realmente acredito: a obra é toda sua biografia, é o que vem antes e depois de sua instauração como objeto (quando há um objeto e quando não há também). Portanto, o processo de aprendizado e experimentação do artista enquanto realiza seu trabalho é parte do mesmo e é importante ter clareza sobre com o que esse processo está vinculado, que interesses estão em jogo.
Para os membros do BHQF, os artistas criam e recriam seus próprios trabalhos através dos diálogos, da experiência com outros trabalhos de arte, que dizem raramente se dar na esfera comercial. Eles se posicionam de forma independente às demandas e influências de mercado, coisa conhecida na esfera dos “espaços independentes” mas que, sabemos, não é nunca 100% tão independente assim. Nem para nós, nem para eles. É sim uma constante atenção e negociação para sobreviver sem comprometer o pensamento artístico.
A ideia da autonomia, do processo, da troca como forma de manifestação artística já é fato instituído: estética relacional, exposições com a presença de elementos do processo criativo do artista (estudos, rascunhos, sketchbooks, anotações, objetos fetiche de ateliê), falas abertas durante as mostras entre artista e público… Muitos experimentos e laboratórios saem do circuito independente, inclusive o BHQFU, e são também promovidos por galerias e instituições.
Pessoalmente, vejo essa relação “experimento” com “mercado” como algo que faz parte do jogo desde sempre e que é preciso manter a atenção e o discernimento sem romantismos. Dou-me o direito de ser uma observadora do fenômeno e agente promotora de ações no contexto independente (insistindo em ser menos “estelar”). O sistema, o campo da arte é muito mais complexo do que uma batalha entre “bandidos e mocinhos”.
Muito bom ver esse enfoque na produção de conhecimento em arte como produção em arte. A potência dessa criação oxigena os processos criativos, alimenta a percepção e projeta os coletivos a outra dimensão no sistema de arte. Essa vibração da busca e formulação de temas em arte concede um vigor a quem participa em qualquer instância desse processo e, de certo, alcança todos aqueles que têm contato com o processo, com a obra e/ou com seus agentes ativos. E que novas ações se disseminem para o deleite de todos construindo uma rede de conhecimento, de arte e do conhecimento como arte.
Juvêncio Vilhena
Sim, Juvencio. Também acho válido. Só acho que é preciso estar atento e não se perder no deleite puro.
Interessante…particularmente não tenho opinião formada mas acho instigante esta relação mercado de arte x arte-educação.
Entendo que a obra de arte se faz no processo e não raro este pode ser tão rico que se sobreponha a obra acabada. Porém, classificar um curso de arte, por mais inovador que seja, como produto de arte me causa um certo estranhamento. Além disso, não ficou claro qual o “metodo”, além da gratuidade, usado no projeto BHQFU para chegar a expansão das fundamentos da arte. Seria uma espécie de Bauhaus?
Se tive o correto entendimento do texto, sinto que estou cada vez mais distante de entender a lógica deste mercado, rs!..assim, prefiro ficar como observadora.
Chega perto, Regina! Não se distancie, não. Observe quanto tempo quiser mas não se abstenha.
Eu acho que existem experiências incriveis que vão nessa direção do exercicio coletivo e individual da colaboração e da convicência, em outras partes do mundo e acho que esse movimento tende a crescer.
Para citar um exemplo que conheço e admiro muitissimo, tem um pessoal em Lisboa, do Centro de Investigação Artistica e Criatividade Cientifica/ AND_LAB, coordenado por João Fiadeiro e Fernanda Eugênio, um coreografo e uma antropologa. (http://and-lab.org/o-and_lab)
Eles enfatizam a dimensão do zelo e do cuidado na capacidade de sustentar uma ética do « viver juntos » gerada coletivamente e acreditam que é possivel ativar um percurso autopoético e reciproco de aprendizagem que foje da logica hierarquica do « ensino » atual. E que vai muito na direção do que o 2e1 propõe.
Acho que sim, é urgente e precioso esse caminho de reformular as perguntas em torno das quais construimos as nossas redes de convivencia na arte e na vida. Quanto ao comercio… faz parte de uma outra logica.
Obrigada pela referência, Alina. Vou atrás!
Oi, que bacana este texto, o fato destas propostas estarem se espalhando é muito positivo, mas também existe o risco de transformar o processo do artista em atividade institucionalizada de ateliê. Tem uma crítica bacana, que questiona a estética relacional dentro do que grandes curadores promovem: A “exposição laboratório”, que à primeira vista é uma proposta que foge do padrão convencional e que mostra o processo do artista, mas segundo ela o ”laboratório” é facilmente vendável enquanto espaço de entretenimento. Alguns grandes centros e museus vêm usando este termo para se destacar, e a coisa toda começa à fazer parte de uma estratégia de venda.
Conheci BHQFU agora, e a princípio não acho que eles se encaixem em algo assim, o trabalho da Pivô tb vejo como importante no nosso cenário, estou falando de grandes espaços e exposições curadas por curadores estrelados.
Creio que os coletivos escola, a arte que extrapola o dia a dia de ateliê solitário, os trabalhos que atuam ativamente na forma de pensar de uma comunidade, são fundamentais hoje em dia, e claro, estas propostas vêm crescendo com a criação e apoio de tantos novos espaços. Alguns mais na vontade e na coragem, mas outros não estão tão longe do mercado de arte para serem classificados como alternativos, e mesmo assim, são sérios e comprometidos com este enfoque.
Temos muito ainda para expandir não é? Seja na prática do coletivo, seja na prática do ensino, e para iniciar é realmente necessário muito empenho, mas será que o grande desafio não seria permanecer neste processo de abertura ao outro, repleta de possibilidades à todos?
Sim, sim, sim, Carla! Temos muito o que fazer e sem isolamento como você diz. Só que sou favorável ao *fazer* prestando atenção e não sendo ingênuo quanto ao funcionamento do sistema (sem demolizá-lo mas também sem se curvar).
Obrigada!