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A arte triunfa sobre o comércio? – Parte 2
Schama aponta “Davi com a Cabeça de Golias” como a imagem chave da questão do porquê a arte é importante. Nós podemos especificar o que ele quer dizer com isso e perguntar: como ou por que a arte, enquanto uma arte liberal, importa? Uma das perguntas que Schama pede na introdução a sua série é o tipo de pergunta que todo artista avant-garde desde Courbet pediu: “Será que a arte triunfou sobre o comércio?” Em outras palavras, pode a arte transcender às circunstâncias de sua produção?
Certamente Caravaggio, pelo que sabemos sobre ele, não temia as verdades sombrias do auto-conhecimento e manteve o lema dos boêmios romanos: “Sem esperança, sem medo”. Schama, como um bom historicista, insiste que tudo é contextual. Como ele diz, Caravaggio “não nasceu um valentão”, ele tornou-se um. O que permitiu o patrono de Caravaggio fazer dele um dos pintores mais privilegiados do século XVII foi seu olho para a quantidade, ele argumenta, fortalecendo um elo de poder para a propaganda da Igreja.
Schama está em grande parte correto quando nos diz que as pinturas de Caravaggio não são arte e sim artilharia pesada. E como sabemos, essa artilharia pesada foi eventualmente voltada contra o próprio artista. Vamos esquecer por um momento a história de Schama sobre Caravaggio, o pecador, e vamos considerar a afirmação feita anteriormente. Se David é arte e se Golias é poder, então sobre quem ou que Caravaggio triunfou? Neste trabalho, Caravaggio não apenas se matou, mas matou o impulso de desistir, de fazer o que seus patronos esperavam dele e daquilo o que é popular. Ele busca, no palco da arte, um espaço para contestar a conformidade e de buscar uma visão subjetiva. Neste respeito, Caravaggio pinta uma versão mais dramática de auto-retratos semelhantes feitos por muitos de seus contemporâneos: Artemísia Gentileschi com “Autorretrato como a alegoria da Pintura “(1630), “As Meninas” de Velásquez (1656) e Vermeer com a “A Alegoria da Pintura” (cerca de 1675).
Outro trabalho que vem à mente é o, da época do acréscimo da Reforma de Michalangelo à Capela Sistina, “O Último Julgamento” (de cerca de 1540). Neste mural macabro, o artista pinta seu rosto na pele esfolada de Bartolomeu. O que faz Michelangelo e Caravaggio contemporâneos não é tanto os seus pecados, mas a seu grande ceticismo sobre a existência de Deus. Será que a humildade conquista o orgulho, ou é já tarde demais?
O que é notável sobre a peça de Contra-Reforma de Caravaggio não é o assunto em si, mas o ponto de identificação. A dinâmica psicossexual da obra de Caravaggio tem sido o suficiente para justificar vários livros, sem mencionar um longa-metragem do cineasta Derek Jarman.
Uma série de questões religiosas cruzam com este momento de advento de um modo pitoresco da representação figurativa. Alguns de seus temas são atraídos para fora da comparação neoplatonista de amor terreno e celestial, um conceito humanista que produziu obras como o “David”, de Donatello (1430), onde a decapitação do jovem rapaz sinaliza que o homem mais velho sucumbiu às suas seduções sexuais. A virtude da beleza física, transmitida em uma contraposição relaxada, tem dominado a ordem geracional das coisas. A decapitação simboliza o fato de que o homem mais velho “perdeu a cabeça” – curvando-se à humildade e prazer masoquista de “dar a cabeça”* para o jovem. Neste sentido a imagem serve como um deleite sensual e um aviso de advertência, uma torção na vanitas cristã ou no memento mori: tenha relações sexuais com meninos, mas não deixe que um deles arruine sua família e status social.