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Será que os artistas têm um ego enorme? – Parte 3 de 3
A primeira parte desse artigo pode ser lida aqui e a segunda parte aqui.QUESTÕES DE EGO
CLAIRE FONTAINE
Porque vocês resolveram apagar as suas individualidades atrás do nome dessa artista fictícia: Claire Fontaine?
O desafio, quando se muda de nome, não é tanto de apagar sua individualidade, mas de se dar um outro nome. Em primeiro lugar, ninguém escolhe seu próprio nome, é uma coisa que recebemos de herança da família (mais precisamente do pai), é uma convenção e, no dia a dia, não temos dificuldade nenhuma em ficar com esse nome de nascimento. Do outro lado, quando se cria um espaço de desubjetivação, onde dá para tornar-se outro diferente do que somos, quer dizer praticar a liberdade, não seria exato dizer que esse espaço é só a adição dos nomes que o formam, ele é outra coisa, e tem que poder nomea-lo. Claire Fontaine é um nome feminino e francófono, que poderia pertencer a uma única pessoa, ele se refere ao ready-made Fontaine (A fonte) do Duchamp e a série de trabalhos do Nauman Portrait de l’artiste en Fontaine (Retrato do artista na fonte), porque estamos muito interessados nas consequências do ready-made sobre os objetos, mas também os sujeitos…
HERVE DI ROSA
Você fez parte de um grupo, a figuração livre, antes de fazer uma carreira em solo. Como evolui sua relação a sua imagem?
Hoje, os artistas – Jeff Koons ou Damien Hirst – são verdadeiras estrelas. Mas, nos anos 80, a arte contemporânea era muito conceitual e fechada. Fascinado pelos rock stars, eu queria fazer o mesmo na arte. Éramos 4 amigos, apaixonados por cultura pop. Ao criar um grupo artístico, o Figuração Livre, estávamos mais fortes. Ver minhas fotos na imprensa satisfazia meu ego de juventude. Mas também, meu corpo prolongava minha obra, fazendo saber que os artistas não são necessariamente cultos e velhos. Mas nosso grupo explodiu após 4 anos, por causa das lutas de ego, e porque nossas obras divergiam. Envelhecendo, tranquilizado por meu sucesso, entendi que um artista tem que combater seu ego para criar. Mas hoje, as pessoas querem encontrar o “artista”, e as revistas gostam mais das fotos de mim “em situação” do que das minhas obras sozinhas… Eu o lamento, mas que tenho de seguir o jogo…
NATHALIE BREVET ET HUGHES ROCHETTE
Por que motivos preferem coassinar suas obras?
Estamos surpresos de ver que as pessoas estranham ver artistas criar a 4 mãos. Como se uma assinatura devesse ainda ser unicamente um indivíduo, um “ego”… Hoje, os suportes são multiformes, e as obras se criam muitas vezes num diálogo entre vários atores. Nós nos conhecíamos havia muito tempo antes de trabalhar juntos, um designer gráfico (Hughes Rochette) e a outra socióloga urbanista (Nathalie Brevet). Nos intercambiamos muito sobre o tema da mobilidade. Era no começo dos anos 2000. O colecionador Eric Fabre nos encorajou nesse caminho. Foi um dos nossos primeiros projetos. Desde então, todas nossas obras são fruto de uma discussão. E muito enriquecedor. Porque ser artista solo?
SPACE INVADER
Porque você quer ficar invisível ?
Sempre pensei que o anonimato enriquecia minha pesquisa artística dando-o um mistério. Adotei o pseudo Invader, “invasor”, porque soa como um personagem de ficção científica. Essa escolha prolonga meu trabalho, dando uma cor para o projeto. Invader trabalha em meio urbano, ao anoitecer, quando a população esta dormindo. Ele aparece mascarado e ninguém conhece a cara dele…
Tem muito do universo dos super-heróis! E uma maneira de despertar a curiosidade. Os Residents ou os Daft Punk o fizeram antes de mim no campo da música. Isso permite também de apagar-se para colocar seu trabalho no primeiro plano. Porque eu gosto deste paradoxo: ser reconhecido sem ser conhecido…
As mulheres artistas sofrem de uma falta de ego?
“É um fato: as mulheres são menos expostas que os homens.” – Thierry Delcourt
Para o psicanalista Thierry Delcourt, essa observação é também da responsabilidade das artistas que não tem um ego tão enorme como os seus homólogos masculinos.
Elas esculpem aranhas gigantes assim como elas contam a história do universo em 13 minutos… De Louise Bourgeois até a jovem Camille Henrot que recebeu o Leão de Prata na Bienal de Veneza para o seu filme Grosse Fatigue (“grande cansaço”), as artistas mulheres têm agora seu lugar no mundo da arte. Foram mulheres que representaram a França na Bienal de Veneza em 2005 (Annette Messager) e em 2007 (Sophie Calle). Mas mesmo assim, tendo honras do Centre Pompidou que, em 2010, revisitou a história da arte dos séculos XX e XXI através de uma seleção de obras assinadas por mulheres, elas ficam menos visíveis que os homens.
Em 2011, elas representavam só 34% dos artistas expostos nos centros de arte e as obras delas 32% adquiridas pelo Fnac (Fundo Nacional de Arte Contemporânea). Por que não há uma política suficientemente voluntarista? Ou será que também as artistas ficam na sombra dos seus colegas masculinos, porque não tem um ego suficiente forte para se mostrar e promover seu trabalho?
No imaginário coletivo, o artista ainda é um homem
Um exemplo? Cada ano, o Salão de Montrouge seleciona portfólios de artistas sem galeria, para os expor e faze-los emergir na cena artística. “A seleção se parece com uma maratona. E os portfólios mais chamativos são em geral de artistas masculinos”, nota o diretor artístico do salão Stéphane Corréard. Por educação, as mulheres se jogam menos para frente que os homens. No imaginário coletivo, o artista por excelência ainda é homem. “de pequena, nunca via nos museus nomes de artistas mulheres. Quando perguntei porque para minha professora, ela não entendeu minha pergunta”, se lembra Agnès Thurnauer. Difícil, quando a história da arte se escreve no masculino, de se construir um ego de artista mulher. “As mulheres não têm problemas de ego quando elas fazem o esperado: estar elegantes, ter filhos… Elas ficam mais vulneráveis quando elas devem construir um ego de artista, mesmo que a situação tivesse tendência a evoluir”, observa Thierry Delcourt, autor de ‘Artiste féminin singulier’ (Artista, feminino singular). Portanto, a partir dos anos 70, as artistas mulheres decidiram sair da sombra.
Enquanto na sociedade civil, as mulheres reclamavam o direito à contracepção e ao aborto, Niki de Saint Phalle, com suas esculturas monumentais de formas florescentes, proclamava “o poder para as Nanas (mulheres)”. Nesse movimento de libertação artística – pondo em jogo o corpo para se construir um ego, seguindo 3 modos diferentes. A primeira dimensão deste ego poderia ser representada pela Gina Pane. “Pelos sofrimentos que ela submete seu corpo, ela exorciza a alienação das mulheres. Isso é totalmente necessário para ela existir, como ser”, analisa Thierry Delcourt. O segundo seria representado pela Marina Abramovic. Para ela, não tem exorcismo: ela se coloca em cena, para construir uma imagem da mulher e do seu ego. “Quando ela obtém o reconhecimento sobre esse ponto, nos anos 1990, ela passa para outros assuntos”, observa o psicanalista. Por fim, Orlan, pelas suas cirurgias e seu auto-parto, empurrou a dimensão egoica ao extremo, nos significando: “se eu existo, é do jeito que eu decidi”.
Hoje, o combate delas parece, em teoria, vitorioso, de tal modo que poucas se reivindicam artista mulher: elas querem ser “artista, e ponto” e preferem em geral falar do seu trabalho mais do que da sua pessoa. Mesmo se elas precisam, às vezes, pagar o preço em termos de carreira. “Eu não quero me fazer fotografar com minhas obras, não vejo o sentido”, fala uma jovem artista talentosa, exposta no salão de Montrouge. Há alguns anos, vencedora do prêmio dos amigos do Palais de Tokyo, mas menos visível que ela poderia ter sido – e que prefere, quando se fala de ego, ficar anônima. Porque a arte tem que falar de outra coisa.
Fonte: artigo original do L’œil Magazine (Maio, 2014), traduzido do francês por Myriam Zini – Revisão Carolina Paz